Honra em Portugal

Alexandre Herculano descreveu assim (in Historia de Portugal, 1846, Tomo Segundo, pg. 164) as duas espécies de direitos de propriedade na época da fundação de Portugal:

"As terras, senhorios e propriedades possuídas pelos ricos-homens, infanções, e cavaleiros, foram de duas espécies:

A primeira era a das terras patrimoniais, transmitidas hereditariamente de pais a filhos desde tempos anteriores à monarquia, ou havidas, quer dos reis, quer de particulares, por diferentes modos, mas passando depois com a natureza de hereditárias para os filhos e netos do primeiro possuidor. Tanto umas como outras, constituíam aquilo a que se chamava honras, cavalarias, e não raro coutos, posto que tal designação se aplicasse mais às terras eclesiásticas. Essas terras ou propriedades tinham privilégios: porém nenhuma das obrigações feudais que eram comuns na Europa. Se o rei precisava dos serviços militares de um nobre, ainda que simples cavaleiro, pagava-lhe, porque entre nós não existiam feudos.

A segunda espécie de senhorios e terras era a das tenências, alcaidarias, e prestamos ou prestimonios. Esta espécie constituía, por assim dizer, a moeda com que o rei pagava os serviços militares a civis, quando para isso não despendia dinheiro efectivo, o que era menos vulgar, sobretudo no começo da monarquia. As tenências vinham a ser os governos superiores dos muitos distritos em que o país se dividia, e os ricos-homens parece terem sido aqueles a quem unicamente se confiavam semelhantes tenências; as alcaidarias eram os governos especiais das cidades e vilas acasteladas, e o alcaide (pretor) entrava na hierarquia imediata à do governador de distrito (princeps terrae, tenens); os prestamos ou prestimonios eram finalmente as propriedades, a percepção das rendas públicas num certo lugar, e até os reguengos, que o rei concedia a qualquer indivíduo para que o servisse e à nação, ou em recompensa de assim o haver feito. Um grande número de documentos nos provam, que os cargos de governador de distrito e o de alcaide, com os proventos que produziam, eram inteiramente amovíveis, enquanto o vitalício predominava, senão absolutamente, ao menos em regra, na concessão dos prestamos.

Assim, até ao princípio do século XIII distinguia-se entre nós perfeitamente o exercício de um cargo do estado, civil, militar, ou misto, da posse de uma propriedade pública, ideia hoje trivial e simples, mas que nos países feudais estava bem longe de o ser, porque não só a terra, a propriedade fixa ou de raiz, se constituíra em feudos, mas até os empregos de todo o género".

Aqui o recordo para sublinhar as fundas raízes e peculiaridade da honra em Portugal, de há praticamente mil anos para cá: matéria privada, pré-estatal, para-estatal. Ideia hoje não trivial e simples.

Luis Miguel Novais

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