Honra de Novais

Escapou ao olhar arguto do grande historiador Alexandre Herculano um conceito tradicional de Honra em Portugal mais amplo do que aquele que nos deixou definido na sua monumental HISTORIA DE PORTUGAL, de 1846 (ao qual aludo aqui: Honra em Portugal). 

Com efeito, num documento publicado muitos anos antes, em 1815, por José Pedro Ribeiro e seus discípulos da Aula de Diplomática da Universidade de Coimbra, no livro MEMORIAS PARA A HISTORIA DAS INQUIRIÇÕES DOS PRIMEIROS REINADOS DE PORTUGAL, lê-se a pgs. 44 (na grafia original), referida à freguesia de Santa Eulália de Gondar, num extremo Norte de Portugal, no Entre-Coura-e-Minho (entre Valença do Minho, Paredes de Coura e Vila Nova de Cerveira):

"jurati dixerunt, que ouvirom dizer, que a mea desta davandicta Ecclesia era regaenga, e dous Casaes em Paradela, e quando foi o enserco Dalcazar cativou y Dom Pelagio Novaes, et quando sahio de cativo deu-la EIRey Dom Sancho, cum estes davandictos cassaes, e onrouli a villa de Gondiar, e desaquel tempo que a viron onrada ter a seus filios e a seus netos" - "Liv. IX de Inquirições de D. Affonso III, fol. 84".

Ou seja, em bom português contemporâneo: Dom Paio Novais ficou cercado pelos mouros em Alcácer do Sal ("enserco Dalcazar") e, quando saiu do cativeiro, o segundo rei de Portugal (Dom Sancho I, reinou entre 1185 e 1211), deu-lhe terras, casais e a vila de Gondar, deste modo honrando-o, e aos seus filhos e netos ("onrouli" e "viron onrada") - o que confere um sentido mais amplo a Honra do que o definido por Herculano.

Quando o meu pai faleceu, senti uma necessidade de saber coisas em que não pensara até aí. De entre as quais, porque me chamou Novais... A escolha do apelido não era óbvia, nem para si - nascido já após a reforma do Registo Civil em Portugal resultante da instauração da República, em 1910, que inverteu a ordem dos apelidos. De tal modo que o meu avô, seu pai, ainda era conhecido na aldeia de Silveiros (Barcelos), onde ambos nasceram e se encontram sepultados, pelos apelidos do meu bisavô paterno, fundador da nossa casa de aí (em 1900, segundo reza a pedra de fecho do portão): Gomes da Costa.

Porque me chamo Novais é, afinal, o produto de um conjunto grande de acidentes na linha do tempo, alguns que entretanto conheci (graças aos registos dos católicos, existentes desde 1563, que me levaram a viajar no tempo com os meus avoengos - e que deixo para outra narrativa). Naturalmente, chamo-me Novais devido a meus honrados pais, que me nomearam, antes de mais ninguém.

Atribuo, porém, ao honrado Dom Paio Novais (a grafia de Novaes mudou de e para i, como também mudou a do meu outro apelido: de Peyxoto para Peixoto; são ambos apelidos das primeiras Linhagens de Portugal, das publicadas também por Alexandre Herculano, nos seus PORTUGALIAE MONUMENTA HISTORICA), independentemente de eu ser, ou não, do seu sangue (o que desconheço), uma responsabilidade grande por me chamar hoje Novais - com muita honra (mais uma ampliação do conceito).

Com efeito, tanto quanto hoje sei (por ter, entretanto, investigado), Dom Paio (o Gandapaio, como lhe chamamos familiarmente), foi dos que escolheu Portugal quando o primeiro rei de Portugal cedeu os condados de Toronho (entre Tuy e Vigo) e de Limia (hoje, Ribeira Sacra). Ou seja, graças ao Gandapaio o apelido Novais ficou em Portugal. E honrado.

Segundo os mesmos livros velhos de linhagens publicados por Herculano, reconstituí a ascendência em linha recta do Gandapaio: seu pai chamou-se Rui Novais, e viveu no tempo de Dom Afonso Henriques; seu avô também se chamou Rui Novais e viveu no tempo dos pais do primeiro rei de Portugal, o Conde Dom Henrique e a Rainha Dona Teresa; seu bisavô foi Afonso Novais "o Velho", que viveu no tempo de Dom Afonso VI de Léon.

Seguindo a lição de um outro grande historiador (ainda vivo), José Mattoso (no seu D. AFONSO HENRIQUES, 2007), quando faz remontar a alcunhas os apelidos dos primeiros Portugueses, creio mais que Novais derive por contraposição a este Velhos, do que a novelos (como surge nos brasões do apelido desde muito mais tarde, já na Segunda Dinastia) - daí o e da grafia inicial: de Novães.

Novos. Assim o intuíra, antes de qualquer outra pessoa que eu conheça, a minha querida filha Beatriz Novais, nascida faz hoje 31 anos, plena de inteligência e honra que transporta brilhante em si. Também Maria, como a filha de Gandapaio, cuja Rua de Novais, já sem Torre, encabeça ainda hoje Gondar - e vem na foto deste Portugal Honrado em modo cultivo.

Luis Miguel Novais

Mensagens populares deste blogue

Porto de Braga

Honra em Portugal