Por-tu-ga-l

Na Torre do Tombo de Portugal, em Lisboa, encontra-se o mais antigo documento até hoje conhecido em que aparece a palavra Portugal: trata-se da Carta de Doação de São Bartolomeu de Campelo, Baião, feita (segundo o próprio texto) pelo "infante" Afonso Henriques (futuro primeiro Rei de Portugal), filho do "conde" Henrique e da "rainha" Teresa, e "neto do imperador de Hispania" Afonso. Assim se apresenta o próprio, neste documento. 

É um documento do ano de Cristo 1129 (está reproduzido aqui).

No texto vem referido "portugalensi", mas no sinal (símbolo) de assinatura vem, por entre uma cruz, a palavra Portugal dividida em quatro partes: Por-tu-ga-l.

Visto nos dias de hoje, quase parece um cântico guerreiro ou de claque desportiva: Por-tu-ga-l.

E os nossos historiadores estão hoje de acordo em distinguir três entidades medievais diferentes sucessivas: o Condado Portucalense (de Vímara Peres), o Condado Portugalense (de Dom Henrique e Dona Teresa), e o Reino de Portugal (de Dom Afonso Henriques e hoje nosso, República Portuguesa).

O que ainda ninguém disse (que eu saiba) é que na origem da palavra Portugal pode estar uma leitura com significado próprio. Esta: Por-tu-ga-l, em vez de ser lido à cântico guerreiro, pode/deve ser lido à epigrama (abreviatura) romano (modo de pensar da época). Assim:

Por

T(erras) U(nidas)

GA(llecia)

L(usitania)

É que, naquele ano de 1129, Afonso "infante" (nascido em 1109 ou 1111), filho do "Conde" Henrique (já falecido, em 1112 ou 1114) e da "Rainha" Teresa (falecida depois de 1130), neto do "imperador Afonso" (falecido em 1109), pensavam à romana. De quem se tomavam por sucessores, tendo dado origem ao nosso Românico.

E, no ano anterior de 1128, na seminal Batalha de São Mamede, junto a Guimarães, defrontaram-se mãe (a quem ele próprio neste documento chama rainha) e filho (que mesmo no ano seguinte se intitula a si próprio infante, não rei). Mas mais do que isso, está também a comunidade científica hoje de acordo sobre tal, defrontaram-se nesse campo de batalha duas concepções distintas: uma, encabeçada pela mãe, que prosseguia uma política de união das terras galegas (recordando aqui que os romanos haviam dividido a Gallecia em três: Lucense, a norte; Bracarense, a sul; Asturica, a nascente), em especial a comunidade que se forma em torno de Santiago de Compostela, reconstituída a partir das romanas terras de Trastâmara (Conde de Trava com quem se uniu a Rainha Dona Teresa) e Portugalenses (o bispado do Porto era sufragâneo de Compostela, não de Braga, uma expansão a sul da Galiza Lucense, em território Bracarense); a outra, encabeçada pelo filho, que prosseguia uma política de união das terras galegas do sul (grosso modo, a Gallecia Bracarense e  também o Condado Portucalense de Vímara Peres) com a Lusitânia romana (que, na época do documento, chegava ao rio Mondego, incluindo Coimbra e o Condado Colimbricense, tendo à morte de Dom Afonso Henriques chegado ao Tejo, após consolidação da conquista de Santarém e Lisboa, prosseguindo "caminho" para sul).

Daqui a minha leitura desta primeira representação simbólica da palavra Portugal, em 1129, pelo ainda infante (sua mãe ainda não havia falecido, apesar de derrotada e feita por si prisioneira) Dom Afonso Henriques: por terras unidas de Galiza e Lusitânia, era a sua política. Por-tu-ga-l. Daqui houve nome Portugal (com todo o respeito pelas opiniões contrárias, que eu próprio já subscrevi - vide Confidências do Exílio, 1986).

Louvo-me num testemunho praticamente contemporâneo a Dom Afonso Henriques, na Coimbra do seu tempo, o do autor anónimo da Vida de S. Teotónio (na versão do texto publicado por José Mattoso em D. Afonso Henriques, 2007, pg. 171, apud A. Nascimento, 1998, pg.167), que diz que o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra foi fundado:

"No tempo do preclaríssimo infante Afonso, filho do Conde Henrique e da rainha Teresa, que, sendo infante, era príncipe (dux) de Portugal, mas com o andar do tempo e por dispensação da munificência divina, posteriormente veio a tornar-se o rei ilustre de quase toda a Lusitânia e de parte da Galiza".

POR T(erras) U(nidas) GA(liza) L(usitânia). POR-TU-GA-L.

Se non é vero, é ben trovato. À romana.

Luis Miguel Novais

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