Monte de Currais

A primeira morada de casados de meu pais (onde terei sido concebido) foi na última casa sobrevivente da pequena, mas de nome significativo, Rua do Porto Feliz, no Porto de Portugal. Com vista para os ainda hoje extensos campos do Monte de Currais. Por ser adjacente à minha zona das Antas (onde cresci e escolhi viver), passeio por lá frequentemente a pé. 

Um destes dias ocorreu-me participar à Câmara Municipal do Porto um lugar de uma possível "Mamoa". Devo reportar que muito diligentemente me responderam que investigaram e se tratará de um mero aterro, mas que vão ficar atentos (até porque, segundo o Plano Diretor Municipal, a zona é de condicionantes por vestígios arqueológicos).

Sei agora (após eu próprio ter também investigado), que não cabem dúvidas literárias sobre a existência de "Mamoas" na zona. Vêm assinaladas duas "Mamoas" na "Carta de confirmação e ampliação do couto dado por Dona Teresa à Sé do Porto", feita pelo rei Dom Afonso Henriques em maio de 1138: aí vêm, nas delimitações, a "Mamoa Pedrosa" e a "Mamoa Furada" (cito da transcrição do documento por Armando Coelho da Silva em Origens do Porto, na História do Porto, direcção de Luís A. de Oliveira Ramos, 2a. edição, 1994, pg. 62).

O lugar da "Mamoa" que eu imaginei reconhecer visualmente e assinalei à Câmara Municipal do Porto pode muito bem ir agora parar a verbete no delicioso "Guía de Lugares Imaginarios" recolhido por Alberto Manguel e Gianni Guadalupi (possuo a "Edición abreviada", em espanhol, de 2014, mesmo assim com 689 páginas). Mas a "Mamoa Pedrosa" e a "Mamoa Furada" do Porto, se ainda existem, hão de estar por lá, pelo Monte de Currais. Pelo menos estiveram, com estes nomes e a servir de marcos de delimitação, há quase mil anos atrás - coisa que desconhecia quando o participei.

O lugar da minha "Mamoa Imaginária" fica na esquina entre a Rua Nau Vitória e a Rua Dr. Corino de Andrade. Graças ao citado artigo de Armando Coelho da Silva, sei agora que Joel Cleto, em artigo publicado em 1987, no Jornal de Notícias, também colocou a  hipótese de localização nessa zona norte oriental da cidade das, por si denominadas, "Mamoa Velha" e "Mamoa Pedrosa" (mapa reproduzido em op. cit., loc. cit.).

O que me moveu, porém (no meu desconhecimento da Carta de Dom Afonso Henriques e das citadas obras), foi algum conhecimento da hoje assumida Cultura Etrusca, essa negligenciada. Conhecimento que adquiri aquando da minha prolongada estada de estudos pós-graduados em Itália (entre 1989 e 1990). Mais precisamente em Florença, a partir de onde deambulei por praticamente toda a Toscânia. Ressaltando aí a localidade Etrusca de Volterra, que em tudo me fez recordar os "castros" ou "citânias" do Norte de Portugal e Espanha. E é, também, civilização pré-romana.

Durante séculos, vivemos com a ideia de Cultura Greco-Romana. Porém, na última década, à Roma helénica tem vindo a disputar caminho a ideia de Roma, também, Etrusca. De que é epítome a brilhante exposição de 2012 (que tive oportunidade de visitar) "Roma Caput Mundi".  No respetivo catálogo, aí vêm artigos de síntese sobre a Roma Cidade Etrusca, a par da Roma Cidade Grega. De onde destaco, para o que nos ocupa: "Nos inícios da Idade do Ferro, no panorama da Itália antiga, as civilizações etrusca e a latina... surgem como as mais dinâmicas, com sociedades fortemente estruturadas e com uma rede de trocas já ativa em larga escala; que vem potenciada, a partir de meados do oitavo século antes de Cristo, pelo estabelecimento das primeiras colónias gregas no sul de Itália" (Roma Città Etrusca, Mauro Menichetti, in Roma Caput Mundi, direcção de Andrea Giardina e Fabrizio Pesando, 2012, pg. 57, com tradução minha).

De há muito que está por resolver esta equação sobre o Norte de Portugal e Galiza: se, como diz Plínio (na Historia Natural), os Galaicos Brácaros (na origem da Bracara Augusta romana) não eram gregos (porque estes eram os da colónia de Tude, possivelmente Tuy), e também não eram latinos (porque Plínio, romano contemporâneo de Cristo, os descreve como estrangeiros), o que eram então? 

A resposta tem sido Celtas. O que, além de vago, tem vindo a ser questionado por (em bom rigor) politizado pelo Governo Regional da Galiza (essa parte norte desse nosso passado comum). A mim, agrada-me pensar que um dia ainda poderemos descobrir ou assumir que, afinal, se os Galaicos não eram Romanos, nem Gregos, estes nossos antepassados eram Etruscos (que, de resto, também cabem nessa sacola a que se chama Celtas - cfr. Atlas Ilustrado de los Celtas - Una civilización europea, Elena Percivaldi, 2000).  Todo um campo de investigação, certamente merecedor de aprofundamento pelo Porto e Norte de Portugal e Espanha.

Os Etruscos tinham um ritual funerário próprio, distinto dos romanos, que pode muito bem estar na origem das nossas "Mamoas". E daí a minha "Mamoa Imaginária" do Monte de Currais. Ou, possivelmente, das porventura ainda existentes "Mamoa Pedrosa" e "Mamoa Furada". "Mamoa", como recorda o Dicionário de Morais (cito da oitava edição, de 1891) é "colina, outeiro ou montículo de forma mais ou menos esférica, semelhante à mama ou teta". Pelo que não me parece difícil imaginar que, mais tarde ou mais cedo, teremos uma extensão ou polo arqueológico do excelente Museu da Cidade do Porto no Monte de Currais.

A talho de foice (ao jeito de druida Celta, por se acaso), concluo com a cereja no topo do Monte de Currais (é neste planalto onde, ainda hoje, se encontra o mais alto marco geodésico da cidade do Porto): ainda segundo o mesmo Dicionário de Morais, além da evidente conotação contemporânea com animais, a palavra Currais, em Português antigo (ainda no tempo de Dom Dinis), teve outro significado, agora esquecido (mas não por nós, doravante); queria dizer: "palácio, castelo, alcácer, ou cerca murada e forte".

As pedras estão lá, e auguro redescoberta de Mamoa ou Castelo no Monte de Currais do meu Porto Feliz.

Luis Miguel Novais

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